quinta-feira, 22 de abril de 2010

Darkness

Eu prometi a mim mesma que não assistiria a outro filme de terror tão cedo. Mas uma noite dessas eu estava de bobeira assistindo TV e eis que Darkness está passando. Eu pensei, "bem, não estou com sono, vou assistir se eu ficar com muito medo é só desligar, não tô pagando mesmo". Eu assim vi o filme quase todo. Quando eu comecei a assistir já tinha passado o primeiro bloco, e como eu sempre zapeio durante os comerciais eu acabo perdendo um pedacinho todo começo de bloco. Mas a história se desenrola lentamente, então deu para entender. Dessa vez não vou contar o filme com tantos detalhes quanto no post anterior, primeiro porque não vi o filme inteiro e depois porque desta vez não preciso escrever tão exautivamente para chegar a uma conclusão (às vezes eu preciso escrever cada passo que meu raciocínio dá para conseguir chegar a uma conclusão sem me perder em uma miríade de caminhos alternativos). Que não é uma conclusão sobre o filme todo propriamente, porque não vi pistas tão claras como em "Arraste-me para o Inferno" de que esse é o entendimento do roteirista.

A partir daqui é spoiler



O que me chamou atenção é que a personagem da Anna Paquin poderia perfeitamente frustar o plano da Escuridão ainda que não soubesse todos os detalhes deste plano. Bastava sequestrar o irmão (durante o dia, de preferência), levá-lo para bem longe, de forma que a família não pudesse encontrá-los até o eclipse ter passado.
Mas ao invés disso ela recorreu aos adultos, e esse comportamento é que realmente determinou seu fracasso.
Primeiro a mãe não acreditou nela (óbvio). O pai, frustrado por desconfiarem dele, tomou a overdose de remédios, no intuito de garantir a todos que ele não é uma ameaça.
O avô, por sua vez, estava no comando do sacrifício.
A menina (não lembro o nome da personagem), confiou nos adultos, contou a eles tudo o que sabia e obedeceu-os sempre, mesmo ao avô maléfico.
Então ela própria deu causa à vitória da Escuridão, quando poderia tê-la derrotado.

Em Darkness, os adultos não são confiáveis, nem mesmo os da sua família. Ou são fantoches ou são os próprios artífices dos planos da Escuridão. São mentirosos, dissimulados, bem ao gosto do Caos.

Enquanto isso, as crianças realmente enxergam o mundo. O filho caçula via os fantasmas das crianças assassinadas, percebia o que havia de errado mas sendo muito pequeno, não conseguia processar essas percepções ou expressá-las ou fazer qualquer coisa a respeito.

Já a adolescente percebia pior, mas tem capacidade de agir. Ela está no meio do caminho, entre a clareza e a impotência das crianças e a ignorância conveniente e proposital dos adultos, estes autônomos, mas inertes (não no sentido de parados, mas no sentido de se deixar levar pelas forças exercidas sobre você).

Parcialmente banhada de luz, ela poderia ter seguido seus instintos, mas escolheu fazer o jogo dos adultos, movendo-se no sentido das sombras.

O avô maldito disse que a Escuridão sempre vence, ela sempre encontra seu caminho.

Talvez ele esteja certo. Não conheço ninguém que não jogue, que em nenhum momento da vida não tenha escolhido mentir para os outros ou para si mesmo, que nunca tenha dissimulado, que nunca tenha escolhido a ignorância, que não tenha escolhido as coisas simbolizadas pela escuridão.

Não percorremos todos esse caminho da menina do filme?

Dizem que Jesus, Buda e outros fizeram o caminho alternativo, cresceram sem se corromper.

Estes, infelizmente, eu não conheço. Escreveram muito a respeito deles, mas escrituras não são o caminho.









quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Drag me to hell

Arraste-me para o inferno
Antes de qualquer coisa, é bom dizer algumas coisas sobre mim, os meus gostos e como eles condicionam a minha visão do filme.
Eu gosto mesmo é de finais felizes, ou pelo menos mais ou menos felizes. Não me importo de assistir um dramalhão desde que tenha pelo menos um motivo de alívio no final. O problema de finais felizes é que eles normalmente vêm acompanhados de uma história previsível, em que você sabe exatamente como é o final e como o filme vai chegar até ele.
Desde de criança, tenho dificuldade de achar alguma coisa engraçada. Talvez porque a comédia nos filmes e desenhos animados esteja ligada a alguém se dando mal. Eu não consigo rir disso. Talvez só quando o próprio personagem deu origem ao seu sofrimento, ao sacanear os outros.
Veja TOM & JERRY. No mínimo Jerry age em excesso de legítima defesa, porque ele sempre atormenta o Tom muito mais do o que necessário para deixá-lo atordoado de forma que ele pudesse fugir. No máximo o rato é um sádico, porque quando Tom está ocupado com alguma outra coisa que não persegui-lo, lá ia Jerry bater nele, queimá-lo ou torturá-lo de alguma outra forma para que a perseguição se reinicie e ele continue a enganá-lo e fazê-lo sofrer. Torci muito para que o Tom o comesse.

Outra coisa: gosto de filmes que tenham um sentido, uma mensagem, uma lição, uma moral ou pelo menos alguma situação que me emocione e me inspire. Normalmente, eu desejo que o filme me acrescente alguma idéia nova, um ponto de vista diferente. Na vida estamos tão absorvidos com nossa rotina e nossos problemas que não conseguimos pensar e agir diferentemente dos nossos condicionamentos, que eu vejo no filme uma chance de nos desgarramos desse turbilhão e poder experimentar novos pontos de vista, através das “vidas”, muitas vezes fantásticas dos personagens. É verdade que a história passa pelo filtro das nossas experiências e nossa personalidade (é por isso que eu estou fazendo essa observação), mas ainda assim acho que a ficção é capaz de mexer com a nossa visão de mundo ou reforçá-la se estiver no mesmo sentido que a pessoa dirige a própria vida.
Dito isso vamos a Arraste-me para o inferno. Aviso: a partir daqui é spoiler puro.


Esse filme foi descrito como terrir, um gênero em que você leva sustos, mas também dá boas gargalhadas. Para mim, só experimentei a parte do terror. Fiquei assustada, aterrorizada mesmo, acho que sou um tanto impressionável. Quanto à parte do rir eu não curti as cenas escatológicas e situações embaraçosas, eu estava muito ocupada sentindo pena da protagonista. Mas o pessoal do cinema riu bastante.

Trata-se da história de Cris, uma funcionária de banco que cuidava da parte de empréstimos bancários. Ela namora Clay, um professor universitário de psicologia, que vem de família rica, e tem uma mãe que não aprova que o filho namore uma moça de nível social inferior e chega a tentar marcar um encontro com uma recém-formada em Harvard. Isso a deixa mais ansiosa para conquistar o cargo de assistente de gerência que disputa com um funcionário novo na agência, Stu, um grande bajulador. Seu chefe lhe dá a entender que ele, apesar de ser um funcionário novo e sequer conhecer os procedimentos, está na frente na disputa, por ser agressivo, capaz de tomar decisões difíceis.
Eis que ela atende uma velha que pede uma extensão de prazo para pagar a hipoteca da casa, pois estava sendo despejada. Cris então verifica que ela já obteve duas extensões e que conceder uma nova era pedir para tomar calote. Ainda assim, ela vai até o chefe para pedir uma nova extensão, ao que ele responde que ela tinha o poder de conceder ou não a extensão que cabia a ela tomar essa difícil decisão. Tendo entendido o recado, ela negou o pedido da velha senhora. Sugeriu que ela fosse morar com a neta, ao que ela respondeu que não queria ser um fardo para a família. Disse que ela poderia morar em um abrigo para idosos, e a velha descartou essa hipótese também.
Por fim, a velha disse ser uma pessoa muito orgulhosa e que raramente implora por alguma coisa e se ajoelhou e implorou que ela lhe concedesse novo prazo. Beijou-lhe a saia, assustando-a que gritou chamando a segurança. Sentiu-se humilhada, mas estava sendo levada sem grande resistência quando Cris lhe dirigiu uma última palavra, na tentativa de convencê-la de que ela nada poderia fazer e que sentia muito. Então a senhora Ganush realmente ficou furiosa e vociferou algo ininteligível para a funcionária do banco. Tentou agarrá-la e teve de ser arrastada para fora. O chefe a elogiou pela capacidade de dizer não a uma velha senhora tão desesperada e sinalizou que ela agora estava à frente da disputa. Mas isso lhe custou o ataque da velha maluca e conseqüentemente a maldição que lhe foi lançada. A maldição consistia em um tormento de três dias que culminaria em seu arrastamento para o inferno.

Ao longo do filme, Cris luta em vão para se desfazer da maldição. A cena final, da boa moça sendo tragada de corpo e tudo para o inferno, por toda a eternidade, me chocou um bocado. Saí do cinema reclamando: que filme horrível! que filme horrível! quero meu dinheiro de volta! Odiei mesmo.

Ao que meu namorado respondeu : “Bia, você esperava o quê? É um filme de terror!” Ele tem razão. A minha experiência com filmes de terror não é boa, tinha me esquecido disso. Definitivamente, não é meu gênero. Eu só gosto de filmes que eu chamo de “drama sobrenatural”, em que um espírito atormentado pertuba os vivos e esses têm de descobrir a razão de seu sofrimento e confortá-lo de alguma forma. Exemplos: Dark Water e a série “Ring” (só vi os filmes japoneses).

O fato é que se não tinha um final feliz ou pelo menos meigo ou não aterrorizante eu tinha que achar um sentido para o filme ou eu teria pesadelos.
Me veio à cabeça uma cena que na hora não prestei muita atenção, mas que depois me pareceu relevante. Pouco depois de ter sido amaldiçoada Cris decide que quer lhe digam o que o destino lhe reserva, então entra em uma loja daquelas com um olho de néon na vitrine, acompanhada do namorado.
Ao se preparar para ler a sorte da moça, o vidente conversa com o namorado cético da protagonista. Clay (o namorado professor de psicologia) diz que para Freud, o destino é moldado pelo inconsciente ou mais exatamente que o destino não se trata de acaso, mas de algo criado pelo inconsciente para controlar as escolhas conscientes (em inglês: "You know, Freud said destiny was not an act of fate, but rather something created by our subconscius to contol our conscious choices.") Ao que o vidente responde "É verdade, mas não podemos tentar entender o mundo somente pelo intelecto. Clay falou “ah Jung, o psicólogo preferido do pessoal new age” e o vidente responde “Porque ele não tem medo de pôr Deus na equação”.

Lembrei então o quanto Cris se culpava. Veja bem: tava na cara que a senhora Ganush daria o calote. Ela já teve duas chances antes e se fosse aceita a linha de argumentação dela ela iria ter prazo infinito para pagar.

A senhora Ganush achava que o banco tinha que suportar completamente todos os problemas da vida dela, tanto que nem considerava a idéia de pedir ajuda aos parentes, nem mesmo para morar com a neta ou filha. Não é como se ela tivesse que morar na rua se não conseguisse a extensão do prazo. Ela simplesmente achava que como viveu muito tempo naquela casa e desenvolveu uma ligação emocional com aquele lugar adquiriu o direito de morar ali até a morte, um direito superior a qualquer outro.

E dinheiro emprestado deve ser remunerado, sob pena inclusive de faltar crédito para outras pessoas, pessoas que pagam.
É claro que o filme não menciona as condições do contrato, se não tinha cláusulas abusivas etc. Justiça americana é uma merda, quem não tem dinheiro não tem acesso mesmo. Enfim, não dá para presumir que o contrato é abusivo.
Eu acho que ela tomou a decisão correta. Ninguém a censurou por isso, nem mesmo a senhora Ganush, se você for observar. Primeiro ela se irritou porque se sentiu humilhada com o fato de Cris ter chamado os seguranças do banco. E depois porque Cris quis pedir desculpas, o que lhe pareceu a comprovação de que ela era realmente a culpada pela sua situação.

E Cris, naquele momento, mentiu para senhora Ganush e possivelmente para si mesma, dizendo que aquela não era questão de escolha. E isso ficou evidente pelo seu próprio comportamento.
Creio que não foi a negativa da extensão que fez com que a velha a amaldiçoasse, mas a exteriorização de um forte sentimento de culpa.
Depois de ser amaldiçoada e antes de encontrar com o vidente, ela refletia e dizia para o namorado que talvez ela não tivesse feito a escolha certa, ela poderia ter concedido a extensão. Clay a apoiou, disse que ela fez a coisa certa. Mas ela não se convenceu.
Depois de vários dissabores por conta da maldição, Cris foi à casa da velha pedir perdão. Foi atendida creio que pela neta ou filha. Ela já tinha ouvido falar dela e negou a sua entrada na casa. Cris insistiu, disse que daria a extensão faria tudo ficar bem. “Tudo ficar bem, hã?” Ela repetiu. E deixou-a entrar. Lá estava a velha, morta.
A parente postou-se ao lado dela e disse: “Faça ficar tudo bem agora! Você merece tudo o que está vindo para você.” E ela acreditou.
No fim do filme, quando tudo parece estar bem e o namorado está prestes a lhe pedir em casamento, ela confessa que poderia conceder a extensão da hipoteca, e que deveria ter feito isso. Depois ela vai para o inferno.
Além disso, nome do filme é “Arraste-me para o inferno” e não simplesmente “Arrastada para o inferno”.

Moral da história (como eu preciso de uma moral da história)
Cris tomou uma decisão aparentemente correta, mas que contrariava seus princípios, seu sentimento de justiça. Sentiu-se uma pecadora, agiu como se pecadora fosse e se tornou uma pecadora nos seus próprios termos. Uma pecadora deve ir para o inferno. Assim, foi tragada ao inferno por sua própria escolha, ainda que inconsciente.
Primeiro eu odiei o filme, depois adorei o filme. Mas não vejo filme de terror tão cedo novamente.

PS 1: Curioso como esse conceito de inferno é parecido com o inferno do Sandman, que é um lugar para onde vão as almas que querem ser torturadas. Elas têm escolha de ir para lá ou não e parece que não querem que o suplício acabe nunca.
PS 2 : A velha escrota não vai pro inferno não?
PS 3: Eu não cheguei à essa análise por acaso. De alguma forma eu me identifiquei. O quanto meu inconsciente me sabota?